Artigo publicado por Inês Lima, Sofia Rocha e Bruno Mouro.
No dia 1 de junho de 2017, entrou em vigor, em Portugal, uma lei que obriga as cantinas e refeitórios públicos a terem uma opção vegetariana no seu menu. Mas, segundo um estudo realizado em 2019 pela Associação Vegetariana Portuguesa, a implementação e fiscalização da lei n.º 11/2017 tem demonstrado algumas falhas. Da amostra de 95 inquiridos, 31% revelaram não optar pela opção vegetariana por esta não ser equilibrada nutricionalmente, enquanto outros reportaram que a opção disponível no seu refeitório não era estritamente vegetariana (24%) ou que não havia sequer refeição vegetariana na ementa (28%). Uma vez que a lei não esclarece quais são as consequências jurídicas do seu incumprimento, está à vista que nem todas as escolas estão a colocá-la em prática de modo eficiente.
O caso do Colégio Adventista de Oliveira do Douro
Todavia, o oposto também acontece. Há escolas que fazem questão de apresentar refeições vegetarianas, sendo que algumas já o fazem há muito. No caso do Colégio Adventista de Oliveira do Douro (CAOD), localizado em Vila Nova de Gaia, servem-se exclusivamente refeições vegetarianas já há 48 anos. Esta medida foi tomada logo desde a fundação do Colégio, em janeiro de 1974, e insere-se nas diretrizes da Rede Escolar Adventista a nível mundial. Tiago Alves, o atual diretor do colégio, explica que esta instituição, que segue a religião adventista, apresenta um conjunto de valores e ideais específicos, que promovem uma alimentação saudável, mas não só. Esta escola, que tem atualmente cerca de 170 alunos, distribuídos entre o pré-escolar e o ensino básico, pretende incutir nos seus alunos um estilo de vida equilibrado, que favoreça o seu desenvolvimento físico, cognitivo, social, emocional e também espiritual. E esta filosofia de vida, seguida pelo CAOD, valoriza o contacto com a natureza, seja através do consumo de alimentos frescos, seja através da preservação do ambiente para as gerações futuras.
Assim sendo, a alimentação ovolactovegetariana é apenas uma das medidas ecológicas implementadas pelo Colégio, visto que esta instituição de ensino desenvolve várias iniciativas ligadas ao meio ambiente. Nomeadamente, a escola apresenta um projeto intitulado “Sê Eco-Herói”, responsável por dinamizar atividades como a limpeza de pinhais, a realização de eco-trilhos no Rio Douro e a iniciativa “Heróis da Fruta”. Segundo Tiago Alves, a ligação e preocupação com o meio ambiente também se verifica pela realização de muitas aulas ao ar livre, pela colocação de ecopontos nas salas de aula e pelo facto de terem sido instaladas 45 lâmpadas LED nas instalações do Colégio, ao longo do último ano. Além disso, dentro do terreno pertencente ao CAOD, que perfaz na totalidade 4 hectares, existe ainda uma horta comunitária.
Mais de quatro décadas a garantir uma alimentação ovolactovegetariana
Oferecer uma alimentação de qualidade e sem qualquer tipo de carne aos alunos é uma prioridade do colégio, mas nem sempre é uma tarefa fácil. Rita Duarte é uma das principais encarregadas da administração do CAOD, ao longo dos últimos 14 anos. Ovolactovegetariana, é quem mais entende das estratégias que fazem as crianças comerem os verdes, legumes e cogumelos que são servidos no almoço. Rita esteve presente em diferentes momentos da instituição e, no que diz respeito à alimentação servida na cantina, muitas mudanças relacionadas à confeção já aconteceram. Assegurar, por décadas, uma alimentação saudável e atrativa, seguindo as diretrizes da escola, é um grande desafio.
Um dos pontos-chave para o sucesso da atual cozinha da instituição é a diversidade dos pratos que são servidos. Há uma grande preocupação em não repetir as refeições, com a finalidade tanto de tornar a comida mais apelativa, como de manter uma alimentação equilibrada. “Nós tentamos não repetir o mesmo prato mais do que uma ou duas vezes por mês. Alguns pratos acabam sendo repetidos algumas vezes, mas tentamos ir alternando para que não sejam muito repetitivos e assim eles não se cansem da comida. Existem pratos que são mais apelativos para eles, se calhar não tão saudáveis, mas dentro de uma alimentação ovolactovegetariana”, explica a administradora. O sucesso dessa estratégia reflete-se em números, dado que a escola mantém uma média de cerca de 50% dos alunos a optar por fazer as suas refeições no colégio diariamente.
No entanto, essa dinamização dos alimentos servidos precisa de se enquadrar numa lógica de alimentação saudável e o valor nutricional das refeições servidas no colégio é sempre considerado. “É importante perceber que as necessidades das crianças são diferentes das dos adultos. (…) Portanto, alguns pratos foram maioritariamente supervisionados por um nutricionista. A nossa cozinheira tem formação em higiene e segurança alimentar, tem curso universitário e ela própria teve disciplinas de nutrição e sabe equilibrar a ementa, lida com esse tipo de situações”, esclarece Rita.
Não menos importantes para a alimentação dos alunos, sobretudo dos mais pequenos, são as estratégias de fazerem com que certos alimentos não sejam vistos e, misturados com os demais, sejam ingeridos mesmo se a criança em questão tem resistência a esse determinado sabor. “Na pré-escola muitas vezes trituramos os alimentos para que não saibam que os estão a consumir, mas estão. Portanto, tem sempre que existir esse tipo de adequação”, explica a administradora do colégio. Muitas vezes o diálogo com as crianças também toma o rumo das negociações, e um bom exemplo disso foi a estratégia adotada por Rita Duarte para conseguir que os alunos comam o tomate, um alimento ao qual muitos oferecem resistência. Após uma conversa direta com crianças que mal aprenderam a falar, o acordo estabelecido foi o de que as terças e quintas-feiras seriam o “dia do tomate”, portanto, deveriam comê-lo. Já nos outros dias “ganham” os alunos, que não precisam de consumir o alimento. Apesar de todo o esforço com a confeção das melhores refeições possíveis, ao lidar com um público tão particular, a criatividade é a chave.
A voz das crianças como motor da sustentabilidade
A forma como os hábitos alimentares foram adotados pelas crianças que frequentam o CAOD difere entre as mesmas. Algumas já foram habituadas desde cedo e por incentivo dos pais à ausência de carne ou peixe na sua alimentação, pelo que não tiveram qualquer dificuldade em adaptar-se às refeições preparadas pela escola, como é o caso de Caleb, de 12 anos. Já outras, como o Martim, que é um ano mais velho, confessam que não se imaginam a seguir de forma restrita estes hábitos alimentares, pelo que não se transpõem para a sua rotina fora do colégio. No entanto, adotando totalmente este regime alimentar ou não, o seu feedback não diverge: ambos sentem que as refeições fornecidas pelo colégio são variadas, saudáveis e que substituem a carne, sendo a pizza a refeição que mais sucesso gera entre os alunos. Para além dos hábitos alimentares e da consciência de que o consumo de carne é prejudicial para o ambiente, os alunos recordam a importância de outras ações amigas do ambiente, desde a reciclagem, ao aproveitamento de água proveniente de vazamentos em casa e não esquecendo o uso da garrafa de água reciclável. Hábitos como estes, segundo os próprios, são não só incutidos pelo próprio colégio, mas também pelos pais, que incentivam à preocupação com o ambiente e a tomada de um papel ativo na proteção do mesmo.
As atividades promovidas pelo colégio em torno do ambiente perduram também na memória destes alunos, que falam com entusiasmo de dinâmicas como a limpeza do pinhal do colégio, onde recolheram folhas e lixo, ou de campanhas na rua, que consideram ser um mote para a sensibilização da sociedade.
A importância da promoção destes ideais através do meio escolar é corroborada pela perspetiva destes dois alunos, que consideram que “se toda a gente fizesse a mesma coisa, seria bom”, como afirmou Caleb, que se mostra consciente dos benefícios que este incentivo trouxe para si. Segundo o próprio, “a escola é onde aprendemos os nossos valores, é onde ficam as coisas para a vida”, confirmando que as aprendizagens adquiridas no meio escolar se transpõem para a sua rotina fora do mesmo.