Artigo publicado por Lara San Emeterio e Bruno Mouro
As alterações climáticas são um tópico amplamente discutido nos dias de hoje, seja dentro ou fora da comunidade científica. E, a este propósito, fomos conversar sobre o assunto com o professor Orfeu Bertolami, físico teórico da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, com formação em física de partículas e teoria da relatividade geral.
Orfeu Bertolami sempre teve interesse nas alterações climáticas, mas o seu envolvimento desde o ponto de vista científico teve início no final de 2017, quando começou a estudar o tema. No princípio de 2018, já tinha as ideias muito claras sobre várias questões. Esse trabalho de investigação viria a dar origem à “equação do Antropoceno”, que aborda o equilíbrio do Sistema Terrestre, levando em consideração todos os possíveis parâmetros que afetam a “saúde” do planeta, inclusive o fator humano.
As alterações climáticas são um tema complexo, uma vez que, para estudar o estado do nosso planeta, é necessário levar em consideração diversas condições específicas, que alteram constantemente as características da Terra. “É impossível circunscrever essa atividade a um dos subsistemas desse sistema complexo do qual fazem parte as grandes componentes que constituem o Sistema Terrestre. Temos a atmosfera, temos os seres vivos que interferem na biosfera e na atmosfera e nos oceanos, etc. Há a criosfera, depois temos os mares e os rios, a hidrosfera, e temos a porção superficial da litosfera. Humanos, plantas e animais estão continuamente a alterar essa litosfera superficial”, destaca o professor. O estudo destas componentes em conjunto constitui o que hoje se designa como Ciência do Sistema Terrestre, cuja “questão central é entender as alterações climáticas, o seu impacto, as suas especificidades e para onde o sistema irá evoluir”, explica.
Formar as sucessivas gerações a terem aptidões não só para perceberem, mas para serem atores.
A multidisciplinaridade da temática das alterações climáticas comporta dificuldades em relação ao seu estudo, e algumas mudanças no comportamento dos cidadãos são necessárias para combater a situação difícil na qual nos encontramos. Ao entrar nesse assunto, Bertolami comenta sobre o sistema educacional e como devemos formar as gerações futuras para serem atores dessa mudança: “é um desafio muito grande criar essas plataformas comuns e formar as sucessivas gerações, para terem aptidões não só para perceberem, mas para serem atores. É uma diferença fundamental. Todos nós, como cidadãos, somos atores, mas, para sermos atores conscientes, temos que ter formação científica mínima para opinar. Uma coisa é opinar por preconceito, outra coisa é opinar por conhecimento”.
Todos nós, como cidadãos, somos atores, mas, para sermos atores conscientes, temos que ter formação científica mínima para opinar. (…) [É necessária] uma sociedade que seja capaz de raciocinar com os elementos científicos de que dispomos.
“Temos que ter cidadãos que sejam capazes de opinar sobre essas questões. (…) A ciência é um método e as pessoas devem ser capazes de usar o método científico para chegar às suas próprias conclusões”, acrescenta o professor.
Apesar de as alterações climáticas serem uma mudança de padrões de regularidade climatérica em várias escalas de tempo, Orfeu Bertolami diz que a preocupação atual se refere “às alterações dos últimos 70 anos, porque a atividade humana se multiplicou até a um ponto em que não há nenhum local do planeta onde não se encontrem sinais das alterações climáticas”. Essas mudanças são mais observáveis do que nunca, uma vez que a tecnologia atual nos garante acesso a muitos dados, seja por meio de satélites no espaço, chips em animais, instrumentos de grande precisão meteorológica, entre muitas outras ferramentas utilizadas por especialistas em alterações climáticas.
No que se diz respeito ao ser humano como fator de alteração ambiental, Bertolami é firme ao dizer qual é a prática que traz mais prejuízos ao planeta. “O mais prejudicial, hoje em dia, é nós estarmos sistematicamente a destruir ecossistemas. A melhor coisa que podemos fazer é restaurar ecossistemas.” E faz ainda um alerta: “Nós criámos um sistema económico que é completamente disfuncional. Tudo o que não traga lucros para o sistema não faz parte dele. O ecossistema marinho, por exemplo, é hoje onde ocorre uma terrível hecatombe de espécies, e isso é particularmente grave porque nós somos seres terrestres, e a destruição desse ecossistema por plásticos, pesca excessiva e poluição torna-se invisível, passa despercebida”.
A destruição de ecossistemas é terrível e temos que travar isso, se quisermos dar alguma hipótese de futuro para as próximas gerações.
Pontos-chave para combater as alterações climáticas, segundo o professor Orfeu Bertolami:
- Dar um contributo como cidadãos ao conscientizar os outros;
- Mudar hábitos de locomoção, usando menos automóveis e mais transportes públicos;
- Mudar a dieta ao reduzir o consumo de carne;
- Mudar para um consumo mais minimalista, já que “não precisamos de tanta riqueza”;
- Diminuir a pegada ecológica para que haja recursos suficientes no futuro;
- Recuperar florestas. Segundo Bertolami, “se plantarmos alguns milhares de milhões de árvores, teremos alguma hipótese de atingir a neutralidade carbónica em 2050”. Reconhecendo que é um desafio, o professor tem esperança de que vão ser as novas gerações os veículos de mudança;
- Forjar uma nova mentalidade transformadora para as gerações mais jovens, acomodando as suas exigências;
- Criar uma nova ideologia que contraste com a do crescimento económico – é possível viver bem, mas com menos.
A necessidade de “criar condições para que a sociedade possa ter uma maior qualidade de vida”
Bertolami destaca ainda que a questão ambiental, atualmente, vai muito além do que se pensa num primeiro contacto com o tema, e está diretamente relacionada com outras questões que afetam as sociedades. “Alterações climáticas e desigualdade social são partes do mesmo problema, porque, se nós não fizermos nada, os que têm menos recursos serão as principais vítimas, como o foram na pandemia, e como também são quando ocorrem desastres naturais”, explica o professor.
Esperança para um planeta saudável: jovens ativistas que pedem mudança
Orfeu Bertolami acredita nos jovens como grandes ativistas para conseguirem mudar os nossos hábitos e obrigar a mudanças legislativas que podem preservar as condições de habitabilidade do planeta. No século XX, o ambientalismo foi um importante movimento transformativo, mas hoje, no século XXI, já se ultrapassou a questão ambiental: “o problema já não é apenas a poluição e as questões locais. Hoje, o nível de poluição do planeta, da destruição de ecossistemas, é tal que se exige irmos para além do ambientalismo e encontremos uma solução global, que também passe por soluções locais”, clarifica o professor.
No caso de Portugal, o professor defende que algumas mudanças legislativas podem surtir um grande efeito. São pequenas alterações, que, quando realizadas em cadeia pela população, podem trazer resultados positivos ao planeta. “É aí que eu acredito que os jovens podem fazer pressão, fazer a diferença e motivar mudanças a serem tomadas pelos governantes que têm um impacto positivo no meio ambiente. É preciso exigir que essas mudanças aconteçam de forma transparente, de forma clara e visível”, afirma Orfeu Bertolami.
Um exemplo de ativismo com efeito positivo, visível e real, segundo o professor, é exatamente ir às ruas, exigindo mudanças que afetem positivamente a saúde do planeta Terra. Portanto, a criação de uma ideologia que trate temas como a preservação da natureza como prioridade é de extrema urgência.
“Eu não compreendo como é que vocês jovens não saem a berrar que querem transportes públicos gratuitos. Porque não? Se os transportes forem gratuitos, ao menos nos centros das cidades, menos pessoas teriam e usariam automóveis, e esse é um tipo de mudança real, que pode ser praticada pela população e tornar-se motivação para uma ideologia de menor consumo, mais alinhada com a mentalidade necessária para se combater os problemas do meio ambiente e das alterações climáticas. É uma questão de mudar mentalidades. São pequenas mudanças legislativas que estão ao nosso alcance”, defende o físico teórico. “Todos nós temos um papel a desempenhar, mas o vosso [dos jovens] grau de exigência é muito importante. Os jovens são os futuros eleitores, políticos, governantes, etc.”
Todos nós temos um papel a desempenhar, mas o vosso [dos jovens] grau de exigência é muito importante. Os jovens são os futuros eleitores, políticos, governantes, etc.
O ponto central é criar uma sociedade que exige mudanças que possam salvar as condições de habitabilidade do planeta e garantir uma maior qualidade de vida a todos os seres vivos no planeta. “Essas mudanças são exemplos que têm um efeito positivo, as pessoas começam a criar uma dinâmica de exigência, se elas percebem o impacto positivo no ambiente. Com menos poluição, menos consumo de combustíveis fósseis, a sociedade beneficia-se”, finaliza Orfeu Bertolami.